Um conto endemoniado
Era uma vez uma menina de grandes olhos castanhos circulados por olheiras roxas de panda. Essa menina tinha uma avózinha que cozinhava muito bem: senhora esperta, quase uma baiana arretada no gosto por pimenta. A senhora mandava estoques semanais de seu molho mágico super-secreto e conquistador de multidões para a menininha, que sonhava em aprender a cozinhar como a avó, e herdara seu gosto pela pimenta, assim como sua língua bífida e seu calcanhar seco. Uma bela noite de verão, a menina olhou para a lua no céu, vestiu seu amuleto de maçãs saltitantes e marchou para a cozinha quente. Faria um bolonhesa de beringela tão bom quanto o molho de sua avó. Cortou cebolas com precisão de cientista, picou minuciosamente seus legumes variados. Admirou-os, enquanto centelhas de fogo saltavam do fogão ao refogá-los no mais fino e verde azeite. Acrescentou os tomates mais doces, uma pitada de açúcar para regular a acidez, e o lindo elixir ia engrossando como o âmbar das árvores do bosque. Mas aquela noite estava fadada a mudar. Armada com seu potinho do fundo da geladeira, a Feiticeira Zica invadiu a cozinha, oferecendo seu tempero amaldiçoado, disfarçado por lindas e vermelhas pimentinhas malaguetas para a ingênua meninha: "Você quer cozinhar como sua avó? Então apimente bem queridinha, e você terá o molho perfeito". A aprendiz de cozinheira, enfeitiçada pela beleza daqueles dedinhos vermelhos, empolgou-se, e tão logo pôs 5 pimentinhas na panela, sem titubear, a feiticeira desapareceu, deixando-a à própria sorte no calor do fogão. Cheia de expectativa, a menininha experimentou seu belo molho em uma grande colherada. Em contato com suas papilas, o molho se tranformava em fogo, sua língua latejava. Quase teve uma síncope, a pobre menina! Correu para o banheiro, escovou os dentes e passou listerine, e não conseguia mais sentir gosto algum. Desesperada, botou abaixo 5 copos d'água, enquanto, vermelha e suando, tentava neutralizar aquela maldição em forma de pimenta! Adicionou água, tomate, açúcar, e nada! Pesquisou, com pouco efeito, no grande oráculo Google, mas as berinjelas pareciam ter absorvido todo o poder da malagueta. Ao irromperem porta adentro, pai e mãe encontraram um resto de menina, de bochechas em chamas, com suas últimas forças tentando lutar contra a maldição. Já não sentia mais o gosto de sua própria comida, não sabia se o sabor apimentado que ainda sentia era fruto daquela primeira colherada, ou se suas investidas foram infrutíferas. A grande sábia assumiu o fogão e tentou de tudo. A solução encontrada, entretanto, foi fazer outro molho, e adicionar uma ínfima parte do molho anterior, e acompanhar a refeição com alguns litros de água.
"Iiiintão...uma verdadeira feiticeira mexicana, dona de dotes de forno de barro, caçarola de cobre e pimentas de montão, ensinou-me - há alguns anos - o segredo para curar a pimenta da boca (ao menos): pão! Isso mesmo, qualquer coisa líquida (água, listerine com álcool, pasta de dente com mentol, ai que estrago!) fará com que a pimenta se espalhe pelas papilas onde ainda não estava causando estrago e potencialize seu efeito. O pão 'retira' o restante da pimenta da boca e seu efeito vai passando aos poucos.
ResponderExcluirMais uma dica de 'seca-pimenteira': todas as pimentas têm seu 'calor/ardor' reforçado quando são submetidas ao cozimento. Para atenuar a 'bicha' ou usar quando não conhecemos o 'puuudêr' da dita é colocar bem no finalzinho.
Beijocas sem pimenta, sua nova leitora fiel!
Silvinha