terça-feira, 22 de março de 2011

A saga do molho maldito




Um conto endemoniado

Era uma vez uma menina de grandes olhos castanhos circulados por olheiras roxas de panda. Essa menina tinha uma avózinha que cozinhava muito bem: senhora esperta, quase uma baiana arretada no gosto por pimenta. A senhora mandava estoques semanais de seu molho mágico super-secreto e conquistador de multidões para a menininha, que sonhava em aprender a cozinhar como a avó, e herdara seu gosto pela pimenta, assim como sua língua bífida e seu calcanhar seco. Uma bela noite de verão, a menina olhou para a lua no céu, vestiu seu amuleto de maçãs saltitantes e marchou para a cozinha quente. Faria um bolonhesa de beringela tão bom quanto o molho de sua avó. Cortou cebolas com precisão de cientista, picou minuciosamente seus legumes variados. Admirou-os, enquanto centelhas de fogo saltavam do fogão ao refogá-los no mais fino e verde azeite. Acrescentou os tomates mais doces, uma pitada de açúcar para regular a acidez, e o lindo elixir ia engrossando como o âmbar das árvores do bosque. Mas aquela noite estava fadada a mudar. Armada com seu potinho do fundo da geladeira, a Feiticeira Zica invadiu a cozinha, oferecendo seu tempero amaldiçoado, disfarçado por lindas e vermelhas pimentinhas malaguetas para a ingênua meninha: "Você quer cozinhar como sua avó? Então apimente bem queridinha, e você terá o molho perfeito". A aprendiz de cozinheira, enfeitiçada pela beleza daqueles dedinhos vermelhos, empolgou-se, e tão logo pôs 5 pimentinhas na panela, sem titubear, a feiticeira desapareceu, deixando-a à própria sorte no calor do fogão. Cheia de expectativa, a menininha experimentou seu belo molho em uma grande colherada. Em contato com suas papilas, o molho se tranformava em fogo, sua língua latejava. Quase teve uma síncope, a pobre menina! Correu para o banheiro, escovou os dentes e passou listerine, e não conseguia mais sentir gosto algum. Desesperada, botou abaixo 5 copos d'água, enquanto, vermelha e suando, tentava neutralizar aquela maldição em forma de pimenta! Adicionou água, tomate, açúcar, e nada! Pesquisou, com pouco efeito, no grande oráculo Google, mas as berinjelas pareciam ter absorvido todo o poder da malagueta. Ao irromperem porta adentro, pai e mãe encontraram um resto de menina, de bochechas em chamas, com suas últimas forças tentando lutar contra a maldição. Já não sentia mais o gosto de sua própria comida, não sabia se o sabor apimentado que ainda sentia era fruto daquela primeira colherada, ou se suas investidas foram infrutíferas. A grande sábia assumiu o fogão e tentou de tudo. A solução encontrada, entretanto, foi fazer outro molho, e adicionar uma ínfima parte do molho anterior, e acompanhar a refeição com alguns litros de água.

Um comentário:

  1. "Iiiintão...uma verdadeira feiticeira mexicana, dona de dotes de forno de barro, caçarola de cobre e pimentas de montão, ensinou-me - há alguns anos - o segredo para curar a pimenta da boca (ao menos): pão! Isso mesmo, qualquer coisa líquida (água, listerine com álcool, pasta de dente com mentol, ai que estrago!) fará com que a pimenta se espalhe pelas papilas onde ainda não estava causando estrago e potencialize seu efeito. O pão 'retira' o restante da pimenta da boca e seu efeito vai passando aos poucos.
    Mais uma dica de 'seca-pimenteira': todas as pimentas têm seu 'calor/ardor' reforçado quando são submetidas ao cozimento. Para atenuar a 'bicha' ou usar quando não conhecemos o 'puuudêr' da dita é colocar bem no finalzinho.
    Beijocas sem pimenta, sua nova leitora fiel!
    Silvinha

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